quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

REFLEXÕES SOBRE O AMOR FEITAS NO FIM DOS TEMPOS


Flavio Dantas Martins
I
Não sei se devo pensar o amor
Ou senti-lo, ou vivê-lo, ou cantá-lo.
O que sei sobre ele é tão ralo
As vezes que o senti, tão raras foram
Que por vezes o duvido, mas não o questiono, nem sei se
Melhor não senti-lo, antes ignorá-lo
E perdê-lo a perder-se.
Ontem, disse a uma sábia que conheço
Que amor é uma coisa, paixão é outra
E outra mesmo é o que chamo desejo
E o que falo dele, não me esqueço
Mas eis que o amor, irônico e tirânico,
Vem destruir meus argumentos, minhas noções e minhas sabenças
Eis que ele vem e se anuncia
Como a substância de toda a vida
Dono de todas as noites e todos os sóis
E o mais-que-perfeito dono das almas
II
Meu amor não é pra hoje
Nem pra semana que vem ou mesmo o mês
Ele é ligado à terra, à noite, às coisas sólidas.
Meu amor é como as grandes colheitas
Sabe das secas, dos plantios, dos trabalhos.
Meu amor é como as revoluções
Sabe dos cárceres, das torturas, do exílio e das catacumbas.
Meu amor é como as guerras
Vive de marchas forçadas, cidadelas arrombadas
E mesmo da docilidade das partidas.
Meu amor é menos de helenas, mais de penélopes
Meu amor é alheio ao que é pra agora, pra ontem
Não sabe do efêmero
É ignorante da brevidade
Odeia os meios termos
Despreza os mortais
É força natural
Abandono e retorno
III
É feito de amargo e dor o meu poema
Busco um azedume de limonada ou um ardente de pinga
Mas não encontro nada
Somente o amargo de cervejas
E a sensação ligeira de alegria, frescor e amizade
E o torpor, o sono e o fastio posterior.
Enquanto isso, suspeito, como sempre, a vida me planeja o doce suave
Da sombra e do sabor de fruta das mangueiras
IV
Na memória do amor, o maldito,
O peito aperta, um sol incandesce
 A testa lateja, as narinas e os lábios secam
As mãos tremem e me toma um ódio
Uma violência bestial, uma incoerência
Um sadismo da carne e da alma
Que dilacera tudo e vê no sangue o pódio
E dilata a pupila, tira o foco do olho
Na memória maldita do amor
Não há saudade, há pressa
V
Meu amor pernambucano é um amor de irmão
Cuidado, afeto, briga, rixa e tabefe
E nos domingos, vira amor de primo
Brincadeiras e sorrisos, reencontros
Pra de noite, escurecer amor de amantes
Com a nudez da lua e o brilho de estrelas
No espelho da alma
Pudores expulsos de casa
Pernas pra que te quero, bem-me-quer
E madrugar amor de loucos
E de manhã é amor de vó, café preto, bolo de milho
Cafuné, bom dia e mimos.
Depois de recolher a mesa
Torna-se amor felino, desprezo, deleite
Meu amor pernambucano é amor de mestre
Um prazer imenso e egoísta em preparar pro mundo
Aquilo que não é nosso, mas é muito
Aquilo que não me pertence, mas me é tudo
Meu amor pernambucano é uma cultura
Que lavra, semeia, capina, espera o ano
Tão distinto do ardor e pressa
Desse meu amor de baiano
VI
Queres um amor seco?
Qual couro curtido em osso?
Ora, meu bem, a vida é úmida
Viver é um viscoso andar pra lá e pra cá
Sangue, lágrima, suor
Um fluido pegajoso é o amor
A vida é líquida, mas nunca inodora e insípida
O fim nem é escuro, é incolor
A morte que é certa e seca
VII
Não penso o que será feito de mim
E o que será que farei de mim
Fiz de mim o que pude
E hoje, só tenho livros e poeira
E um coração rasgado de estradas
E pedras de tantos lugares do mundo
Sonhava com um pouso, um lugar certo
Um oásis, depois de palmilhar tanto deserto
Uma ilha, depois de tanto mar
Mas dentro de mim, continuo uma matilha
Continuo presa da insônia
Por que busco o além
VIII
Amor de exílio
Resolvi ir embora
Não a quero perto de mim, já me basta aqui dentro
Pressionando o estômago e me dando azia
Dificultando os movimentos do diafragma
Apertando a laringe e me dificultando a fala
Me dando problemas nervosos e lapsos de memória
Perdendo as palavras, as piadas, o bom humor
Melhor é partir.
Já que ela não me cabe no peito
Já sabia do amor que é febre e loucura
Levando a delírios, paixões, cartas-suicidas.
Já sabia do amor tenro e caseiro
De pipoca, suco de maracujá e filme locado
Um drama, as vezes uma comédia romântica.
Mas não sabia desse amor viajeiro
Que dá vontade que estar perto quando longe
E quando o vê, já dá vontade de partir.

Uibaí, dezembro de 2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário