Flavio Dantas Martins
I
Não sei se devo
pensar o amor
Ou senti-lo, ou
vivê-lo, ou cantá-lo.
O que sei sobre ele é
tão ralo
As vezes que o senti,
tão raras foram
Que por vezes o
duvido, mas não o questiono, nem sei se
Melhor não senti-lo,
antes ignorá-lo
E perdê-lo a
perder-se.
Ontem, disse a uma
sábia que conheço
Que amor é uma coisa,
paixão é outra
E outra mesmo é o que
chamo desejo
E o que falo dele,
não me esqueço
Mas eis que o amor,
irônico e tirânico,
Vem destruir meus
argumentos, minhas noções e minhas sabenças
Eis que ele vem e se
anuncia
Como a substância de
toda a vida
Dono de todas as
noites e todos os sóis
E o mais-que-perfeito
dono das almas
II
Meu amor não é pra
hoje
Nem pra semana que
vem ou mesmo o mês
Ele é ligado à terra,
à noite, às coisas sólidas.
Meu amor é como as
grandes colheitas
Sabe das secas, dos
plantios, dos trabalhos.
Meu amor é como as
revoluções
Sabe dos cárceres,
das torturas, do exílio e das catacumbas.
Meu amor é como as guerras
Vive de marchas
forçadas, cidadelas arrombadas
E mesmo da docilidade
das partidas.
Meu amor é menos de
helenas, mais de penélopes
Meu amor é alheio ao
que é pra agora, pra ontem
Não sabe do efêmero
É ignorante da
brevidade
Odeia os meios termos
Despreza os mortais
É força natural
Abandono e retorno
III
É feito de amargo e
dor o meu poema
Busco um azedume de
limonada ou um ardente de pinga
Mas não encontro nada
Somente o amargo de
cervejas
E a sensação ligeira
de alegria, frescor e amizade
E o torpor, o sono e
o fastio posterior.
Enquanto isso, suspeito,
como sempre, a vida me planeja o doce suave
Da sombra e do sabor
de fruta das mangueiras
IV
Na memória do amor, o
maldito,
O peito aperta, um
sol incandesce
A testa lateja, as narinas e os lábios secam
As mãos tremem e me
toma um ódio
Uma violência
bestial, uma incoerência
Um sadismo da carne e
da alma
Que dilacera tudo e
vê no sangue o pódio
E dilata a pupila,
tira o foco do olho
Na memória maldita do
amor
Não há saudade, há
pressa
V
Meu amor pernambucano
é um amor de irmão
Cuidado, afeto,
briga, rixa e tabefe
E nos domingos, vira
amor de primo
Brincadeiras e
sorrisos, reencontros
Pra de noite,
escurecer amor de amantes
Com a nudez da lua e
o brilho de estrelas
No espelho da alma
Pudores expulsos de
casa
Pernas pra que te
quero, bem-me-quer
E madrugar amor de
loucos
E de manhã é amor de
vó, café preto, bolo de milho
Cafuné, bom dia e
mimos.
Depois de recolher a
mesa
Torna-se amor felino,
desprezo, deleite
Meu amor pernambucano
é amor de mestre
Um prazer imenso e
egoísta em preparar pro mundo
Aquilo que não é
nosso, mas é muito
Aquilo que não me
pertence, mas me é tudo
Meu amor pernambucano
é uma cultura
Que lavra, semeia,
capina, espera o ano
Tão distinto do ardor
e pressa
Desse meu amor de
baiano
VI
Queres um amor seco?
Qual couro curtido em
osso?
Ora, meu bem, a vida
é úmida
Viver é um viscoso
andar pra lá e pra cá
Sangue, lágrima, suor
Um fluido pegajoso é
o amor
A vida é líquida, mas
nunca inodora e insípida
O fim nem é escuro, é
incolor
A morte que é certa e
seca
VII
Não penso o que será
feito de mim
E o que será que
farei de mim
Fiz de mim o que pude
E hoje, só tenho
livros e poeira
E um coração rasgado
de estradas
E pedras de tantos
lugares do mundo
Sonhava com um pouso,
um lugar certo
Um oásis, depois de
palmilhar tanto deserto
Uma ilha, depois de
tanto mar
Mas dentro de mim,
continuo uma matilha
Continuo presa da
insônia
Por que busco o além
VIII
Amor de exílio
Resolvi ir embora
Não a quero perto de
mim, já me basta aqui dentro
Pressionando o
estômago e me dando azia
Dificultando os
movimentos do diafragma
Apertando a laringe e
me dificultando a fala
Me dando problemas
nervosos e lapsos de memória
Perdendo as palavras,
as piadas, o bom humor
Melhor é partir.
Já que ela não me cabe
no peito
Já sabia do amor que
é febre e loucura
Levando a delírios,
paixões, cartas-suicidas.
Já sabia do amor
tenro e caseiro
De pipoca, suco de
maracujá e filme locado
Um drama, as vezes
uma comédia romântica.
Mas não sabia desse
amor viajeiro
Que dá vontade que
estar perto quando longe
E quando o vê, já dá
vontade de partir.
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