segunda-feira, 3 de junho de 2013

RECEITA PARA UMA CIDADE BAIANA

Imagem de personagens gaúchos, sertanejos e tapuias
Som de Feira de Santana e de Goiania
Bancas de jornais de Juazeiro do Norte
Cenário de Hiroshima depois de Little Boy
que esse céu metálico do Oeste do Brasil 
 tão próximo da capital, paraíso do capital 
tão longe do mar, das leis, do rei e dos deuses 
que esse céu azul lindo 
da cor do corcel de Ailton 
com nuvens poéticas 
me diga se o que aprendo  
o que experencio, o que rezo 
o que perco, jogando fora, 
o que prezo 
 que esse céu belo 
 me poupe do tédio 
e me traga a lua, escorpião, o cruzeiro do sul, sagitário e vênus 
que esse belo céu em sua escuridão 
permita-me a mais doce insônia 
e o amor, a vida e a iluminação

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O JEITO QUE ELA ME OLHA

O jeito que ela me olha
Não se sei se teme ou despreza
Se me espera ou me namora

Se é por versos e canções
Se é pelo olhar ou incêndio
Não sei se é frio ou calor

O jeito que ela me olha
Tanto indica que lhe irrito
E parece que me adora

Rezaria oito novenas
Mas sem fé, apenas penso
E duvido, existindo

Meditando no que me mora
E me escondo nas igrejas
Do jeito que ela me olha

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Jericó

De pedras que achei no caminho
Fiz uma muralha
Pra me proteger do amor
E suas contraindicações cardíacas, vasculares e mentais

Arame farpado
E cacos de vidro das garrafas de vinho
De tantas festinhas aqui em casa
Pra garantir que ninguém
Entrasse em minha alma

Querem habitá-lo
Mas já disse que o chão foi salgado
E só nasce uma malva feia
Que mal dá pra alimentar os bodes
Nada pasta em meu peito
Terra estéril

Mas aí me esqueço
Que basta um olhar
Com pupilas de Jericó
Que reduzem minhas pedras a pó
E encharcam com temporais
A terra seca arrasada


A palavra

Se a primeira palavra resiste
Que será da palavra certa?
Na hora D
Do dia H
Quem brinca com as palavras
De Z a A
Nesse instante será mudo
E não haverá metáforas ou rodeios
Nas quais se esconder

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Um caderno velho de 2009

Na última visita que fiz a Uibaí, em meados de janeiro, encontrei numa caixa de papéis velhos do tempo que fazíamos coqueteis molotovs na forma de matérias de jornal, um pequeno caderno de poemas de 2009. Foi o ano em que trabalhava entre Uibaí e Irecê, retornava para minha cidade, dava continuidade a atividades políticas intensas com amigos e voltava a escrever depois de alguns anos desgastantes como militante do movimento estudantil universitário, trabalho e fim dos estudos da graduação. Queria livros mais subjetivos, mais literatura, menos história, embora minha primeira leitura depois da formatura foram os seis volumes dos Cadernos do cárcere de Antonio Gramsci. O que se aproveitava já está nesse blog, criado justamente naquela era. De resto, nada mais além de uma rememoração. Andava eu bastante caído para o erótico e obsceno

Quero ela
Aquém da virtude, na cama
Além da regra, na língua
Como a presa quer a fera

Foi nesses tempos que escrevi Amasse-me, uma série de poemas obscenos que teve alguma audiência. Foi recitado em um sarau em Petrolina, circulou em mãos de amigos que gostaram dele. E o gosto pegou, é um dos meus textos preferidos. Tanto o caderno quanto Amasse-me representam uma tensão entre o vivido e o desejado

O sonho sem ser sonhado
A vida sem ser vivida

Aqui e acolá tem umas notas de reuniões que ocupavam então boa parte de nosso tempo fora do trabalho. Mas ainda assim é um caderno de poesias. Eu e meus amigos seguiamos a risca o conselho de Guevara: "sem perder a ternura jamais".

Me deu tudo: chocolates, versos, flores, bibelôs
Menos uma centelha
E eu, palha, esperando pra queimar de amor

Umas anotações da semana pedagógica, esquemas de horário nas várias escolas que eu trabalhava e poemas escritos nos intervalos das tarefas do cotidiano. Horas melancólicas, mas até legais.

Perdi a hora, o ônibus
O sobretudo medo

De certa forma, esse caderno testemunha mais o início de minhas atividades profissionais como docente do que as declarações que as escolas me deram comprovando que eu trabalhei alguns anos.

Não posso morrer de tuberculose
Por que preciso viver e ganhar o pão
Não que não desejasse
Devaneios ou diários
Sobre danças e cantorias
Mas me falta lastro
E operário, trabalho

Pra encerrar esse papo, vai na íntegra um que ainda acho que tem algum sentido e algum valor. O dia do fim do mundo não é uma referência a um 21/12/2012 ou coisa profetica parecida. Foi apenas um fim de tarde que nos presenteou com um gigantesco por-de-sol lilás e começou a noite com um espetáculo de raios que assistimos no quintal da casa de minha irmã. Apelidamos carinhosamente aquela beleza celeste de dia do fim do mundo.

No dia do fim do mundo
Havia algo de estranho
dentro de mim

no dia do fim do mundo
não me preocupei
com o que havia na geladeira
nem com o horário de verão

no dia do fim
senti que até
os passarinhos passarão

e a solidão não

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Ódio

Só odeio aquilo que me reflete
O que os outros tem e eu também
Odeio o espelho
Que mostra minha sombra
E escurece meu bem

Se conseguir me olhar
E amar tudo que me faz
Toda minha escuridão
Esquecerei o ódio num ponto de ônibus
E a luz conviverá com a noite
Formando belos retratos
De pôr do sol