segunda-feira, 5 de julho de 2010

noite longa

uma mesa cheia de livros
cadernos, canetas, notas, apontamentos
um copo sujo de café, cinzeiro
a fumaça vã a expulsar os tormentos

uma noite fria no inverno feirense
a vida a espreitar-me pela fresta da noite
gatos quebrando o telhado e gemendo
o mais terno gozo do mais vil açoite

e eu penso na vida que tive
no que me leva e me trás
por estradas que já percorri mil
vezes além dos meus ancestrais

e me pergunto, pois, se a vida
é um jogo de ambições imensuráveis
a apostar-se contra tudo o nada
em prol de sonhos tão admiráveis

ou é renunciar a toda a vileza
e mesquinhez de trabalhar com afinco
não fazer o que quer para nada
e, sem necessidade, encontrar-se rico

e soçobrar preguiçoso no rede
ao som de um modesto acalanto
de uma mulata dengosa e, sentir
o cheiro do café e o fumo queimando

e me transporto, dias adiante
vendo-me glorioso e anormal
desfrutando dos amores e amantes
ou então, me vejo fracassado e banal

e não sei resolver tamanho dilema
sem saber se descanso ou usufruo
dos frutos do trabalho que não fiz
viver o essencial ou o superfluo

enquanto isso, os gatos gemem
cortando com seus ruídos a noite espessa
e os livros esperando-me na mesa
e eu a espera de algo que aconteça