sábado, 28 de março de 2009

Do romantismo das calçadas - parte 7

fanar a flor
é ofício nobre.
tal qual
alimentar a cabra
lavrar a terra
fundir o cobre.
pois
abre às novidades
novas almas.

fanar a flor
é boa obra
como limpar calhas
para que a fina
água possa
permanecer insípida.

glória às abelhas!
viva os beija-flores!
pois, ao fim
prevalecem
os prazeres
sobre as dores

Uibaí, 26-março-2009

Do romantismo das calçadas - parte 5


Não quero que a poesia me abra portas
Antes abra pernas
E monte um círculo vicioso
De versos gozosos

Não quero que a poesia me leve em sonhos
Nem quero lua cheia e eu uivando
Quero antes
A volúpia de sermos amantes
O matar-a-sede devorando carne
E a vileza de bater nela
Mas bater com todo o amor que pode haver neste mundo

Não quero que os sonetos falem casas,
Jantares, envelhecimento, fidelidade
Quero, primeiro
O cessar das vontades
E o esvair na escuridão sobre nossa cama
Que não nos pertence
Mas pertence a quem ama

Não, não quero que me fales
Palavras gentis, de amores verdes que amadurecem lentamente
E de forma calma
Preciso, pra sobreviver, que me fales canalhices
Sacanagens, putarias
E todo aquele vocabulário de calçadas

Pois assim é meu romantismo
Feito de encontros soturnos
Em luas enluaradas
E lobisomens sedentos
E mulheres de branco nuas
Em altas da madrugada
Regada a álcool e versos

Do romantismo das calçadas - parte 5

Venha, menina-mulher
Vamos compartilhar esse matar-a-sede
Que nos cega
E nos afaga
Venha, rápido, com a sordidez de uma fera
Alada
Sejamos
Um amalgama
De carne e pulsão e nada

Venha
Que esse matar-a-sede me afoga
Se o possuo
E me possui quando me falta
Agora, que o ensandecer é uma pantera louca
Que nos circunda e tocaia
Certeza, presa dessa coisa-fúria
Que seja logo feira e poesia futura


Uibaí, 28 de março de 2009

domingo, 15 de março de 2009


AMASSE-ME

I

Talvez tenha feito menos falta
Quem sabe sobrou espaço
Na nosso quitinete tão miúda, agora árida
Ávida de vida, talvez esteja mesmo
Deixando o café esfriar
E a comida esperando no prato
Quando tu ainda pões a mesa pra dois
E eu aqui
Noutro país
É possível que eu seja
Possessivo, impulsivo, pobre
De espírito
É bem apetecível
Me culpar de tudo
- sem razão, mas com bons argumentos –
mas deixa
que talvez
cedo – certo que tarde –
me esqueça
ou melhor ainda
me odeia – o ódio dá força –
só assim eu vou poder fazer o mesmo

II

Se me amasse
Assim como me cobra
Eu não teria partido
E me teria de sobra
Sou ilha e sou soçobra
Pau pra toda obra

Se me amasse
Como te amei
Sem melodramatização
De novelas das sete, oito, nove
Sem sonetos decimétricos
Se desejasse meu corpo-alma
Lambendo cada polegada
De pele
Batizando cada pelo
Cabelo
Ainda me teria
Batendo na canela e te afogando
Me teria de metro
Te enrolando toda
Me teria que nem mato depois de chuva

III

Por isso, fui embora
Não me passaram o script
E eu, ator principal
Fiz nada do previsto
E não te amei
Como no romantismo
- antes
te comi
como canibal
feito bicho
sem nenhuma altruísmo –
Não te amei
Como príncipe em cavalo branco
Em história pra bebê dormir
Antes
Te fiz gemer, gritar
Te montei, te bebi, te comi

IV

Antes que me condenes
Por amar-te
Não como santo
Mas como toda gente
Antes
Lembra
Dos múltiplos
Tantos
Das reformas da cama na carpintaria
E na falta da cama
Lembra-te
Do colchão
Do chão
Da pia
Da mesa da cozinha
Do sofá
Lembra do vinho bebido em taça quente
Lembra do chá
Que me fazias em meus resfriados constantes
Antes

V

E eu
Que pensei ter feito
Tudo direitinho
Fazendo tudo errado
E eu
Que fui ser eu mesmo
Sendo vagabundo
E não menino mimado
Bem educado
E eu
Que quis mais
Ser ilegal, imoral
A apaixonado
Que quis ter você
Não do meu lado
Mas sob mim
Sobre mim
De quatro, de pé
Meio de lado
Te perdi

E isso dói

Uibaí, 28 de fevereiro de 2009

VI
Vem ao meu encontro
Que busco o teu corpo
E tua alma

E torpe, me assanho
E meu cenho se abre
Não como rosa do botão

Mas como da bainha o sabre
Vem com teu encanto
E me abre as portas

Que entram por teu corpo
E saem no paraíso
Num mundo circular, perfeito, sem cantos pra nos esconder

Uibaí, 14 de março de 2009.

VII
Se me amasse assim como te amo
Não me amaria
Como o crente ama o ídolo

Antes, me amaria
Como o pássaro bate as asas
Com volúpia de cavalos cruzando éguas

Não, não me quero amor
Como anjos tocando harpas
Em nuvens alvas

Quero antes fogo
E vinho, e gelo, e suor
Suando, zuando e acordando a vizinhança
Não me queira como a pintura etérea
A se apreciar, de forma eterna

Quero antes, que o amor
Que me nutre
Termine em ladradura, tragicamente
A ser amor estanque

Não, não me peça
Pra ser peça em tua máquina
Quero ser combustível e queimar


Uibaí, 13 de março de 2009

terça-feira, 10 de março de 2009

dos domingos


I
O dia acorda preguiçoso. Este sol detrás de nuvens brancas, esse vento que quase acaricia a manhã, esse espreguiçamento lento, essa serra mais verde que os demais dias, esse almoço com gosto de descanso, esse café primoroso que arregala as pupilas do ser para as cores do dia, e dilata os horizontes da mente, e relaxa os pés cansados de mais uma semana de sub-vida, e esquenta um leve frio remanescente das horas noturnas.
II
Tudo é nada. O sol isturricante no meio do céu inexiste. Os sentimentos se misturam, se contemplam e ficam difusos no nevoeiro das horas mortas. A futilidade absurda se faz normal e costumeira. O jejum civil e religioso ilustra um dia azul de poeira. A tarde rola como bicicleta de aposentado em passeio matutino. Ah, tanto tempo nesse dia infinito e nada! As pessoas, na tv, vêem nada o nada. Nos clubes, nas calçadas, nos bares, nas igrejas. Tudo é tão mecânico e febril, o desejo é tão mesquinho e incompetente que tudo não passa de nada.
III
A noite desaba sobre a cidade, tão vazio quanto o dia. Os carros fazem romaria em direção à pracinha. Uns retorcem-se de tédio e tristeza em suas camas velhas. Outros velam o fim do dia e como urubus atacam com furor a carniça da noite. Animais noturnos que se alimentam de fluidos, sejam eles humanos ou sintéticos. Vampiros do riso e do gozo. Os bares diminuem. As garrafas secam. Os jardins e becos gemem. A solidão rouba o ar de peitos perdidos que se buscam, e chocam-se, e perdem-se. Os instintos levam depressivos à rua em busca do acaso. Os lobisomens embriagam-se, e caem nas calçadas, e vomitam mentiras, e comem promessas. Um caminhante noturno avista novas portas. Há beijos sinceros, abraços orgásticos e desertos pessoais. Tanto a solidão como o sexo, tanto o riso como o choro, tanto a dúvida quanto o certo comem o dia, e crescem nutrindo-se do sol e só resta a escuridão. Cigarros apagam e os isqueiros cantam músicas boemias.
03-07-03

quinta-feira, 5 de março de 2009

soneto

Cadê você, pequena?
Como funcionas?
Gemes quando dormes?
Sonhas quando amas?

Tremes quando gozas?
Uivas quando estudas?
Gozas quando rezas?
Gritas quando muda?

Ah, tu faz as coisas
Mas abruptas
E absurdas

Ah, me vês quando cegas
Me sentes quando longe
Me ouves quando surda

quarta-feira, 4 de março de 2009


Seio que dói
Não sei
O que dói



*



Soneto

Da última vez que pus os olhos em si
Devanesci, pensei haver perdido a vida
E o esvair do sangue da profunda ferida
Me dava êxtase, enfado, gozo e frenesi

Seu olhar de soslaio desejando vir
Mostrando dúvida e eu, nervoso e incrédulo
Escolhendo palavras, tateando igual um cego
Buscava algum meio de a si me referir

Mas esconder que quero a si como a lua
Quer a noite, talvez como a centelha quer a palha,
O asceta a virtude, o cativo quer a rua

Mas, inda assim, me escondendo, esforço em vão
Quero a si, teimoso igual a folha que farfalha
No outono, querendo queimar igual carvão

Uibaí, 25/02/2009

terça-feira, 3 de março de 2009

algumas quadras


Noite amarga
Feito paratudo
A pinga afaga
E o peito fica mudo


*


tudo que passa
não é nada
e o que não fica
isso é tudo


*


no banzo da minha
rotina domingueira
vi ela num sábado a noite
e minha vida virou uma feira