sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Certa vez no alto do morro

Impossível esquecer. Por certo a vista do Morro Branco, para quem possui Uibaí nas entranhas, sua poeira, seus horrores e sua poesia no sangue, é belíssima. "Corre nas vossas veias, sangue velho dos avós! Vós amais o que é fácil, eu amo o longe, a miragem, as planícies, as tormentas e os desertos" (José Régio). Desde a primeira vez que fui, lá pelos idos de 1993 ou 1994, tenho as lembranças das dezenas de vezes que fui lá gravadas como fogo na memória. Mas aquela vez foi especial.
Não era o vinho, certamente. Sempre foi de costume levar alguma coisa para beber. Foi no Morro Branco que tomei o pior porre da minha vida, durante a Semana de Arte de 2004. Caribé, vinho, abaíra e cinquenta e um. Como de costume, errei o vinho: supunha que minha companheira de viagem, cidadã do mundo, apreciava os secos. Engano! A diáspora parece só ter lhe acentuado o amor pela sua terra e pelo seu costume por vinhos açucarados.
Quase posso repetir as palavras! Não que ela seja mais especial do que outros meus amados. O meu amor nunca lhe foi segredo, mas suas palavras, ah, sempre as guardo! Não só por que suas ideias são incríveis, suas impressões do mundo interessantes e a acho mais incrivelmente inteligente do que bela (e a acho extremamente bela!). Mas suas palavras quando falam de mim me transportam para o fundo de mim mesmo. É como se ela adentrasse na minha alma. Minha impenetrável alma! E ela é mais poderosa que o alcool em me desnudar.
Nao que ela me entenda. Sou uma profunda incógnita. Mas ela me adentra, tropeça, tateia o que me habita. E em meio a toda escuridão, é como se ela me enxergasse. E quando ela me olha, me vejo. Em seus olhos negros, consigo me ver. Mas logo me perco. Ela também! "Pelas minhas cercanias / passeio - não me freqüento." (Thiago de Mello).
Eu consigo vê-la. Minha escuridão me permite ver com clareza o que há por trás dos olhos. E ela é uma dessas almas com a profundeza dos oceanos. Mar de tormentas! Há pessoas que são oceanos, mas a maioria são riachos e ribeiras. Amo os riachos: são belos, calmos, raras vezes perigosos. Mas o mar: ele possui essa capacidade de lhe tragar pra suas profundezas. Mais ou menos como ela me faz.

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