domingo, 15 de março de 2009


AMASSE-ME

I

Talvez tenha feito menos falta
Quem sabe sobrou espaço
Na nosso quitinete tão miúda, agora árida
Ávida de vida, talvez esteja mesmo
Deixando o café esfriar
E a comida esperando no prato
Quando tu ainda pões a mesa pra dois
E eu aqui
Noutro país
É possível que eu seja
Possessivo, impulsivo, pobre
De espírito
É bem apetecível
Me culpar de tudo
- sem razão, mas com bons argumentos –
mas deixa
que talvez
cedo – certo que tarde –
me esqueça
ou melhor ainda
me odeia – o ódio dá força –
só assim eu vou poder fazer o mesmo

II

Se me amasse
Assim como me cobra
Eu não teria partido
E me teria de sobra
Sou ilha e sou soçobra
Pau pra toda obra

Se me amasse
Como te amei
Sem melodramatização
De novelas das sete, oito, nove
Sem sonetos decimétricos
Se desejasse meu corpo-alma
Lambendo cada polegada
De pele
Batizando cada pelo
Cabelo
Ainda me teria
Batendo na canela e te afogando
Me teria de metro
Te enrolando toda
Me teria que nem mato depois de chuva

III

Por isso, fui embora
Não me passaram o script
E eu, ator principal
Fiz nada do previsto
E não te amei
Como no romantismo
- antes
te comi
como canibal
feito bicho
sem nenhuma altruísmo –
Não te amei
Como príncipe em cavalo branco
Em história pra bebê dormir
Antes
Te fiz gemer, gritar
Te montei, te bebi, te comi

IV

Antes que me condenes
Por amar-te
Não como santo
Mas como toda gente
Antes
Lembra
Dos múltiplos
Tantos
Das reformas da cama na carpintaria
E na falta da cama
Lembra-te
Do colchão
Do chão
Da pia
Da mesa da cozinha
Do sofá
Lembra do vinho bebido em taça quente
Lembra do chá
Que me fazias em meus resfriados constantes
Antes

V

E eu
Que pensei ter feito
Tudo direitinho
Fazendo tudo errado
E eu
Que fui ser eu mesmo
Sendo vagabundo
E não menino mimado
Bem educado
E eu
Que quis mais
Ser ilegal, imoral
A apaixonado
Que quis ter você
Não do meu lado
Mas sob mim
Sobre mim
De quatro, de pé
Meio de lado
Te perdi

E isso dói

Uibaí, 28 de fevereiro de 2009

VI
Vem ao meu encontro
Que busco o teu corpo
E tua alma

E torpe, me assanho
E meu cenho se abre
Não como rosa do botão

Mas como da bainha o sabre
Vem com teu encanto
E me abre as portas

Que entram por teu corpo
E saem no paraíso
Num mundo circular, perfeito, sem cantos pra nos esconder

Uibaí, 14 de março de 2009.

VII
Se me amasse assim como te amo
Não me amaria
Como o crente ama o ídolo

Antes, me amaria
Como o pássaro bate as asas
Com volúpia de cavalos cruzando éguas

Não, não me quero amor
Como anjos tocando harpas
Em nuvens alvas

Quero antes fogo
E vinho, e gelo, e suor
Suando, zuando e acordando a vizinhança
Não me queira como a pintura etérea
A se apreciar, de forma eterna

Quero antes, que o amor
Que me nutre
Termine em ladradura, tragicamente
A ser amor estanque

Não, não me peça
Pra ser peça em tua máquina
Quero ser combustível e queimar


Uibaí, 13 de março de 2009

5 comentários:

  1. Essa é a forma pura do amor, não no sentido inocente ou virginal, mas sim na transparencia e sinceridade!
    Adorei os versos!

    Ps: aguardo novas postagem!:)

    Aleida Oliveira

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  2. Hum,muito bom! Amei esse tom libidinal, misturado da zoomorfização,que me lembrou o Naturalismo nas prosas de Aluisio Azevedo, e algumas canções do adorável Alçeu Valença.

    Aleida me indicou o blog e gostei muito, já favoritei!


    Ivanessa B.

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  3. Dizia Lispector que pensar é um ato... sentir é um fato. É impossivel querer analisar tamanha complexidade desse poema. Entende-lo requer contato...

    tive q ler 3 vezes para senti-lo e sinto que não entendi ele ainda

    Puta merda... d+

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  4. curti de montão.

    caí direto no poema. Indicação de gilney.
    Cabei naum identificando a/o autor(a).

    de qq forma, pagaria uma cerva/vinho a quem escreveu = ]

    danilo, ufs
    fneop
    sec genero sennece

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  5. CAralho,vir-me eu mesmo eu ali vi-me na redoda posia, só podia ser tu ,cabra, forjado nas calçadas a margem da rua, dos traseutes, dos veículos cumedores de meninias desavisadas.
    Devo apenas ficar de beiço caido.

    Baltazar Lopes Cavalcante

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