terça-feira, 10 de março de 2009

dos domingos


I
O dia acorda preguiçoso. Este sol detrás de nuvens brancas, esse vento que quase acaricia a manhã, esse espreguiçamento lento, essa serra mais verde que os demais dias, esse almoço com gosto de descanso, esse café primoroso que arregala as pupilas do ser para as cores do dia, e dilata os horizontes da mente, e relaxa os pés cansados de mais uma semana de sub-vida, e esquenta um leve frio remanescente das horas noturnas.
II
Tudo é nada. O sol isturricante no meio do céu inexiste. Os sentimentos se misturam, se contemplam e ficam difusos no nevoeiro das horas mortas. A futilidade absurda se faz normal e costumeira. O jejum civil e religioso ilustra um dia azul de poeira. A tarde rola como bicicleta de aposentado em passeio matutino. Ah, tanto tempo nesse dia infinito e nada! As pessoas, na tv, vêem nada o nada. Nos clubes, nas calçadas, nos bares, nas igrejas. Tudo é tão mecânico e febril, o desejo é tão mesquinho e incompetente que tudo não passa de nada.
III
A noite desaba sobre a cidade, tão vazio quanto o dia. Os carros fazem romaria em direção à pracinha. Uns retorcem-se de tédio e tristeza em suas camas velhas. Outros velam o fim do dia e como urubus atacam com furor a carniça da noite. Animais noturnos que se alimentam de fluidos, sejam eles humanos ou sintéticos. Vampiros do riso e do gozo. Os bares diminuem. As garrafas secam. Os jardins e becos gemem. A solidão rouba o ar de peitos perdidos que se buscam, e chocam-se, e perdem-se. Os instintos levam depressivos à rua em busca do acaso. Os lobisomens embriagam-se, e caem nas calçadas, e vomitam mentiras, e comem promessas. Um caminhante noturno avista novas portas. Há beijos sinceros, abraços orgásticos e desertos pessoais. Tanto a solidão como o sexo, tanto o riso como o choro, tanto a dúvida quanto o certo comem o dia, e crescem nutrindo-se do sol e só resta a escuridão. Cigarros apagam e os isqueiros cantam músicas boemias.
03-07-03

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