domingo, 3 de fevereiro de 2013

Um caderno velho de 2009

Na última visita que fiz a Uibaí, em meados de janeiro, encontrei numa caixa de papéis velhos do tempo que fazíamos coqueteis molotovs na forma de matérias de jornal, um pequeno caderno de poemas de 2009. Foi o ano em que trabalhava entre Uibaí e Irecê, retornava para minha cidade, dava continuidade a atividades políticas intensas com amigos e voltava a escrever depois de alguns anos desgastantes como militante do movimento estudantil universitário, trabalho e fim dos estudos da graduação. Queria livros mais subjetivos, mais literatura, menos história, embora minha primeira leitura depois da formatura foram os seis volumes dos Cadernos do cárcere de Antonio Gramsci. O que se aproveitava já está nesse blog, criado justamente naquela era. De resto, nada mais além de uma rememoração. Andava eu bastante caído para o erótico e obsceno

Quero ela
Aquém da virtude, na cama
Além da regra, na língua
Como a presa quer a fera

Foi nesses tempos que escrevi Amasse-me, uma série de poemas obscenos que teve alguma audiência. Foi recitado em um sarau em Petrolina, circulou em mãos de amigos que gostaram dele. E o gosto pegou, é um dos meus textos preferidos. Tanto o caderno quanto Amasse-me representam uma tensão entre o vivido e o desejado

O sonho sem ser sonhado
A vida sem ser vivida

Aqui e acolá tem umas notas de reuniões que ocupavam então boa parte de nosso tempo fora do trabalho. Mas ainda assim é um caderno de poesias. Eu e meus amigos seguiamos a risca o conselho de Guevara: "sem perder a ternura jamais".

Me deu tudo: chocolates, versos, flores, bibelôs
Menos uma centelha
E eu, palha, esperando pra queimar de amor

Umas anotações da semana pedagógica, esquemas de horário nas várias escolas que eu trabalhava e poemas escritos nos intervalos das tarefas do cotidiano. Horas melancólicas, mas até legais.

Perdi a hora, o ônibus
O sobretudo medo

De certa forma, esse caderno testemunha mais o início de minhas atividades profissionais como docente do que as declarações que as escolas me deram comprovando que eu trabalhei alguns anos.

Não posso morrer de tuberculose
Por que preciso viver e ganhar o pão
Não que não desejasse
Devaneios ou diários
Sobre danças e cantorias
Mas me falta lastro
E operário, trabalho

Pra encerrar esse papo, vai na íntegra um que ainda acho que tem algum sentido e algum valor. O dia do fim do mundo não é uma referência a um 21/12/2012 ou coisa profetica parecida. Foi apenas um fim de tarde que nos presenteou com um gigantesco por-de-sol lilás e começou a noite com um espetáculo de raios que assistimos no quintal da casa de minha irmã. Apelidamos carinhosamente aquela beleza celeste de dia do fim do mundo.

No dia do fim do mundo
Havia algo de estranho
dentro de mim

no dia do fim do mundo
não me preocupei
com o que havia na geladeira
nem com o horário de verão

no dia do fim
senti que até
os passarinhos passarão

e a solidão não

Nenhum comentário:

Postar um comentário